Claudia Paixão Etchepare
Sempre me causou estranheza falar em aprisionar uma língua em um museu.
Coisas vivas, como uma língua, não podem ser trancafiadas em um museu, ora bolas! A língua portuguesa é uma dama caprichosa originária do latim vulgar, tem personalidade, tem vontade própria. Sua sina é evoluir, sempre. São séculos de histórias de domínio, submissão e colonização, com acréscimos de novas palavras ao seu vocabulário. No caminho, incorporou extravagâncias e facetas áridas. É vaidosa e intempestiva.
Como poderia um museu capturar as nuances dos caprichos desta língua? Um museu que enclausura objetos em expositores de vidro e expõe registros estáticos em paredes?
Como escritora, mantenho um relacionamento de parcimônia com seus melindres. Como em uma trama de tricot tecida obrigatoriamente a duas mãos, consigo subjugá-la parcialmente para que satisfaça os meus arroubos criativos. Mas sua parte indomável resiste.
Inflamada pela bisbilhotice inata do ser humano, na primavera de 2013, fui visitar o Museu da Língua Portuguesa, pronta para desconjurar qualquer tentativa rasa de homenagem à nossa língua.
Meus passos titubeantes iniciais não tardaram a se transformar em um sapateado ao melhor estilo Gene Kelly. Ao ambular pelos dois andares, encontrei um acervo digital impecável celebrando a língua portuguesa e encantando os visitantes. Palavras dançavam projetadas nas paredes e no teto, respondiam ao comando de cliques. Palavras vivas, muito vivas interagiram comigo. Tudo, absolutamente tudo que precisamos saber sobre a língua portuguesa, estava ali mostrado em peripécias tecnológicas.
Hoje tive uma revelação no rastro desta visita.
Ao ler sobre a reabertura do museu após o incêndio que o destruiu, fazendo uso de tecnologias ainda mais sofisticadas, entendi que a palavra MUSEU está passando por uma mudança semântica e adquire um uma outra acepção.
Assim é a língua portuguesa: transforma-se, renova-se na cadência frenética dos novos tempos.
E como me encontro sem palavras para explicar a epifania de apreender a magnitude da nossa amada língua, recorro ao recurso de parodiar o poeta Mário Quintana, para melhor me expressar:
Nós passaremos, e ela, a dama caprichosa, passarinho. Sempre voando mais e mais alto.
E-mail: claudia.paixao.etche@gmail.com
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