Claudia Paixão Etchepare
Outro dia cruzei na internet com uma lista de adágios, também conhecidos como ditados populares, frases repetidas geração após geração como fonte de saber e referencial cultural. Têm suas origens em um passado remoto, algumas datando de antes de Cristo.
Que pena que nossos filhos não mais usufruem deste recurso. Acho que os chips dos seus cérebros não comportam as ferramentas para decodificar a leitura destes adágios. Essas ferramentas já não mais são fabricadas. Estão fora de uso.
Estes pequenos ensinamentos extraídos de histórias preciosas originaram-se em diferentes povos sobre a terra e, curiosamente, etnias diversas têm equivalências em seus ditados.
Muitos adágios formavam rimas para facilitar a memorização e, ao serem adaptados para o português, palavras foram trocadas para salvaguardar a rima. Às vezes, palavras novas surgiam como decorrência da aliteração de sons, como no ditado popular que escolhi para o título. Alguns ditados foram, desta forma, adulterados e suas mensagens leve ou grandemente alteradas.
Esse menino não para quieto, parece que tem bicho carpinteiro na verdade vem do original: Esse menino não para quieto, parece que tem bicho no corpo inteiro. E quantas vezes fiquei imaginado como seria a cara de um bicho carpinteiro. E na máxima Quem não tem cão, caça com gato o correto seria: Quem não tem cão, caça como gato (ou seja, sozinho, esgueirando-se astutamente, traiçoeiramente). De cabo a rabo tem seu histórico na expressão de Cabo a Rabah, ou seja, da Cidade do Cabo, ao sul do continente africano, até a cidade de Rabah, no Marrocos, ao norte do continente.
Até pouco tempo recorríamos a estes adágios para entender e explicar questionamentos da vida e eles cumpriam plenamente sua função, adulterados ou não. Você conhece alguma outra maneira tão simples e eficaz de expressar as ideias contidas nas expressões mais vale um pássaro na mão do que dois voando e vão-se os anéis e ficam os dedos?
Hoje testemunhamos a decadência desta fonte.
Em plena era de globalização, comunicação em real time, e entrevero tecnológico, essas referências se perderam. Os adágios já não mais preenchem as respostas às novas perguntas. Crenças populares milenares caem por terra, esvaziadas em seus fundamentos.
A máxima De grão em grão a galinha enche o papo já há muito foi substituída por De milhão em milhão ... Na política já vi muito santo de casa fazer milagre e tem muito raio caindo no mesmo lugar. Estamos em tempos em que se Maomé não vai à montanha... ele vai à praia.
Tudo está potencializado ou banalizado. É o paradoxo dos novos tempos.
Antigamente os fatos se desdobravam linearmente no tempo. Agora, na pluralidade do nosso dia a dia, várias realidades se sobrepõem com um mero clicar de teclas. As crenças - ou ciência? - sobre a alimentação adequada, por exemplo, mudam a toda hora. Os adágios que outrora sustentavam décadas ou mesmo séculos de expectativas, temores e esperanças, agora teriam que ser trocados com a frequência de um par de meses talvez.
Conceitos baseados em devagar se vai ao longe ficaram impraticáveis e ninguém acredita mais que a mentira tem perna curta. Esta já deve ter se beneficiado de longas próteses biônicas.
Valiosas lições embutidas em nossos ditados foram perdidas para sempre. E agora? Ficamos, assim, a ver navios? Sem pai nem mãe?
É melhor eu terminar por aqui. Mas não sem antes expressar a minha tristeza pela constatação de que o mundo está parecendo mais a casa da mãe Joana.
Se é que vocês ainda me entendem.
E-mail: claudia.paixao.etche@gmail.com
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